É da nossa conta!: quando o voluntariado vira responsabilidade humana

Por: Movimento Via Cidadã

22/12/2025

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O episódio do podcast É da nossa conta!, que foi ao ar na segunda-feira, 15 de dezembro, propõe uma conversa direta, sem discurso confortável, sobre cidadania, voluntariado e responsabilidade social. No centro do diálogo, uma pergunta incômoda: o que acontece quando o cuidado com o outro deixa de ser caridade e passa a ser dever humano?

Para essa edição, o advogado, escritor e empresário Paulo Cavalcanti e a diretora executiva da Fundação Paulo Cavalcanti e do Movimento Via Cidadã, Cris Santos, recebem Paulo Brito, presidente do Lar Amor e Vida, instituição que acolhe idosos em situação de vulnerabilidade em Salvador.

A entrevista nasce a partir do encontro dos três durante a entrega do Prêmio Cidadão Voluntário Santa Casa de Misericórdia da Bahia, realizada na Câmara Municipal de Salvador. Paulo Cavalcanti e Paulo Brito estiveram entre os homenageados da iniciativa, que reconhece trajetórias dedicadas à atuação social voluntária.

Logo no início do episódio, Paulo Cavalcanti deixa claro o tom da conversa:

“Isso aqui não é sobre vitimismo. É sobre escolha, valor e atitude. Sobre como o voluntariado não é caridade: é responsabilidade humana em estado puro.”

Confira:

Uma história que não foi feita para dar certo

Paulo Brito começa pelo próprio passado. E não romantiza: “Eu fui um projeto que tinha tudo para dar errado. Um projeto feito para não dar certo.”

Criado em uma família profundamente desestruturada, Brito relata que a mãe teve 25 filhos, cada um de um pai diferente, e viveu da prostituição para sustentar a família. A escola não fazia parte do horizonte.

“Minha família nunca me matriculou na escola. Não era a cultura.”

Seu ingresso no ambiente escolar acontece por acaso, após ser levado à força por um vigia até a diretora de uma escola comunitária. O que poderia terminar em expulsão vira acolhimento.

“Ela me abraçou. Aquilo ali foi um acolhimento num momento de aflição.”

Convertido ao evangelho aos 13 anos, Brito passa a atuar com crianças em situação de rua, num período em que Salvador concentrava um grande número de meninos vivendo nas ruas. Mas logo percebe os limites da assistência pontual:

“Eu já vivenciei isso. Apenas levar alimento para essas pessoas é alimentar a miséria. Você precisa levar oportunidade de transformação.”

Cuidar de quem já não consegue gritar

Hoje, o Lar Amor e Vida acolhe 92 idosos. Recentemente, a instituição assumiu também a gestão do Lar São Francisco de Paula, após o fechamento da casa por ordem judicial, deixando dezenas de idosos sem assistência.

Paulo Brito resume sua motivação: “A minha causa não é apenas a causa do Lar Amor e Vida. A minha causa é lutar pela causa dos idosos, por aqueles que já não têm mais força para gritar.”

O episódio escancara a invisibilidade da população idosa no Brasil: “Tudo para idoso é de péssima qualidade e tudo para idoso é muito caro. O idoso não tem prioridade em nada.”

Paulo Cavalcanti reforça a provocação ao comparar políticas públicas: “Nós temos hospital da criança, hospital da mulher, hospital do homem, hospital do câncer, hospital veterinário. E o idoso?”

Democracia, cidadania e hipocrisia social

A conversa avança para além do envelhecimento e entra no campo da democracia e da cidadania. Paulo Cavalcanti conecta a experiência de Brito ao conceito defendido pelo Movimento Via Cidadã:

“Não existe democracia autossustentável sem a participação do coletivo.”

Ele critica o modelo de políticas assistencialistas que aliviam a urgência, mas não transformam a realidade:

“Não adianta você só dar. Se você não criar uma porta de saída, você termina escravizando as pessoas no mais do mesmo.”

Paulo Brito é direto: “É muito melhor para o sistema manter pessoas dependentes do que trazer elas para a realidade e dizer: você tem direito à educação, ao trabalho, a mudar sua história.”

Cris Santos reforça o papel da educação cidadã nesse processo:

“A gente trabalha a inteligência cidadã para que o indivíduo se sinta gente e agente de transformação, entendendo qual é o seu papel diante do país.”

Fé, ética e responsabilidade coletiva

O episódio também enfrenta temas sensíveis, como intolerância religiosa, atuação em presídios, sexualidade, prevenção e dignidade humana. Brito relata seu trabalho em unidades prisionais e reforça a importância da autoestima como ponto de partida da mudança:

“Quando a pessoa acredita nela mesma, a transformação começa ali.”

Na parte final, Paulo Cavalcanti amplia o debate para o campo institucional:

“Nós já temos leis maravilhosas no Brasil. O que falta não é lei, é boa vontade política.”

Paulo Brito concorda e resume sua visão de sociedade:

“O problema não é tirar o povo da miséria. É tirar a miséria de dentro do povo.”

Uma mensagem sem verniz

No encerramento, Paulo Brito deixa uma fala que sintetiza o espírito do episódio:

“Nós somos um pedaço um do outro. Quando eu faço o bem ao outro, eu estou fazendo a mim mesmo.”

E conclui:

“Deus criou uma única casa, que é o planeta Terra, e uma única raça, que é a raça humana. O resto são divisões que nós inventamos.”

O episódio termina sem promessa fácil e sem discurso motivacional vazio. Como lembra Paulo Cavalcanti ao longo da conversa, viver em democracia exige participação, consciência e disposição para fazer o que dá trabalho.

E isso, definitivamente, é da nossa conta.