No dia 20 de setembro de 2025, no Colégio Estadual Zumbi dos Palmares, no bairro Tancredo Neves/Beiru, em Salvador, comunidade, estudantes, educadores, lideranças sociais, conselheiros tutelares, representantes da segurança pública, do Terceiro Setor e do poder público se reuniram para realizar o 1º Fórum Popular de Educação do Beiru e Adjacências.
Um encontro que nasce da convicção de que a educação é o caminho para transformar realidades e garantir o exercício pleno da cidadania. Mais do que debater problemas, este Fórum representou o exercício real da democracia participativa, em que a voz da comunidade foi ouvida, considerada e traduzida em compromissos concretos.
O Beiru, com seus mais de 38 mil moradores, é a maior favela da Bahia e também a 10ª maior do Brasil, e carrega consigo tanto as marcas das desigualdades quanto a força de sua cultura, de seu trabalho e de sua juventude. A escola, neste contexto, não pode ser reduzida a um espaço de transmissão de conteúdos, mas precisa assumir seu papel de motor de transformação social e de espaço de cidadania viva.
Foi a partir desse entendimento que estudantes, famílias, professores e representantes de diferentes instituições construíram juntos esta Carta, reafirmando que a educação é um direito do cidadão, dever do Estado e da sociedade e, sobretudo, uma construção coletiva para a formação integral do sujeito em suas dimensões biopsicossociais.
Afirmamos princípios simples, fundamentais e inegociáveis:
- Educação é direito, não um favor;
- A comunidade é sujeito ativo e coletivo das decisões que afetam cada indivíduo;
- A gestão escolar precisa ser democrática, com transparência e prestação de contas;
- Territórios vulnerabilizados devem ser prioridade orçamentária;
- Aprender exige segurança, saúde, alimentação, mobilidade e escuta atenta;
- A juventude precisa estar no centro da aprendizagem, com vez, voz e protagonismo;
- Cultura e trabalho são dimensões do aprender ao longo da vida.
Reconhecemos sem disfarces o diagnóstico:
- Evasão, abandono e infrequência elevados, muitas vezes agravadas por barreiras simples ligadas a serviços básicos como transporte, alimentação e cuidados em casa, além da quebra do vínculo família–escola;
- Escolas cercadas por problemas do território, como trânsito caótico, lixo, insegurança, que raramente viram conteúdo pedagógico;
- Oferta limitada de educação tecnológica e profissional diante de um mundo do trabalho em mudança;
- Inclusão insuficiente para estudantes com deficiências ou TEA e apoio psicossocial aquém do necessário;
- Desigualdade digital e carência de bibliotecas e laboratórios;
- Subfinanciamento e sobrecarga de profissionais;
- Unidades escolares muitas vezes com boa infraestrutura, mas com ausência de um projeto pedagógico consistente e transformador;
- Baixa oferta de educação infantil e creches, etapas fundamentais para o desenvolvimento das crianças, e limitações na oferta de vagas suficientes para o ensino médio na idade certa
O Fórum ressaltou a importância de que os problemas e potencialidades do território sejam reconhecidos como parte do processo educativo. A comunidade destacou que a escola não pode estar desconectada da realidade local: temas como trânsito, economia, saúde, infraestrutura, segurança, meio ambiente e coleta seletiva precisam dialogar com as disciplinas, sensibilizando estudantes e fortalecendo o vínculo com suas famílias. Assim, o ensino se torna capaz de formar jovens como agentes de transformação social dentro da própria comunidade.
Diante desse quadro, reafirmamos que não basta apontar fragilidades: é preciso agir com coragem e participação. A juventude exige que estudar não seja tratado como privilégio, mas como direito assegurado. Quer voz, vez e espaço de decisão, porque não há futuro possível sem que ela seja reconhecida como sujeito ativo da educação. A escola, por sua vez, precisa ser mais que sala de aula: deve ser corpo e alma, viva, capaz de encantar, despertar sonhos e preparar para a vida em todas as suas dimensões.
As famílias lembram que não há educação sem lares presentes. Escola e família são partes de um mesmo corpo, inseparáveis na tarefa de educar. É nesse vínculo que se combate a evasão, se fortalece a permanência e se constrói confiança e sucesso. A proteção integral das crianças e adolescentes exige a união de todos: escola, conselhos, comunidade, poder público e segurança para garantir presença, cuidado e oportunidade.
O Fórum também afirmou que o Beiru não é problema: é potência. Potência cultural, social e econômica que pulsa em seus jovens, artistas, empreendedores e lideranças. Quando essa energia entra na escola, o aprendizado ganha sentido: a música, a capoeira, o teatro, o audiovisual, o trabalho e a criatividade se tornam caminhos legítimos para formar cidadãos.
Do mesmo modo, reafirmamos que não existe educação sem paz. Mas paz não se constrói pelo medo: nasce da presença, do diálogo e da parceria. É com convivência, confiança e corresponsabilidade que se cria um ambiente seguro e propício ao aprender.
Assim, esta Carta assume compromissos coletivos:
- Valorizar a juventude como sujeito político da educação e da vida comunitária;
- Fortalecer o vínculo entre escola e família como condição essencial de permanência e aprendizagem;
- Garantir proteção integral com rede articulada de apoio e acolhimento;
- Construir uma escola viva, que encante, motive e prepare para a vida real;
- Reconhecer o Beiru como potência cultural e econômica, transformando território em oportunidade;
- Promover cultura de paz através da convivência e da corresponsabilidade entre comunidade, escola e instituições; Estimular a educação empreendedora nas escolas.
Entre as propostas discutidas e acolhidas no 1º Fórum, destacamos a criação do Observatório Educacional do Beiru (OEB). Mais que um projeto, trata-se de um compromisso coletivo de monitorar, avaliar e propor caminhos para que o direito à educação seja efetivamente cumprido.
O Observatório Educacional do Beiru será um instrumento de inteligência cidadã e governança, que transforma dados em conhecimento estratégico para orientar políticas públicas, decisões de gestão e participação cidadã.
O Observatório Educacional do Beiru (OEB) terá como finalidades essenciais:
- Coleta sistemática de dados (quantitativos e qualitativos);
- Produção de análises críticas e comparativas;
- Transparência e acesso público às informações;
- Integração entre academia, sociedade civil e governo;
- Subsídio à formulação, implementação e avaliação de políticas públicas.
Nesse sentido, o Fórum também reconheceu iniciativas que já vêm contribuindo para essa valorização do território, como o Projeto MOVA – Mobilização pela Valorização do Beiru, uma ação conjunta da Catalisa Cidades, do Movimento Via Cidadã (Fundação Paulo Cavalcanti) e da Associação Mosaico de Amor. Essas organizações têm provocado debates e construído propostas futuras que dialogam com as necessidades do bairro e incentivam a realização de ações diversas em favor da comunidade.
Sua composição deverá refletir a pluralidade do território: estudantes, famílias, docentes e gestores escolares, organizações comunitárias, Conselho Tutelar, forças de segurança, universidades e representantes do poder público municipal e estadual. Dessa forma, o OEB se tornará um espaço de democracia participativa e de corresponsabilidade, em que todos têm assento e dever de contribuir.
Propomos que o Observatório seja formalizado por meio de Projeto de Lei municipal, garantindo sua institucionalidade, orçamento e legitimidade dentro da estrutura do Conselho Municipal de Educação. Assim, não será apenas uma iniciativa pontual, mas uma política pública de acompanhamento contínuo, nascida da voz do próprio território.
O 1º Fórum Popular de Educação do Beiru e Adjacências se expressa com a certeza de que onde muitos só enxergam carência, nós reconhecemos vida, esperança e futuro. Que esta Carta seja não apenas registro, mas um compromisso público: de que a educação, quando feita com amor, cidadania e participação, é capaz de transformar territórios e pessoas, formar cidadãos autônomos e conscientes, e construir um Brasil mais justo e mais igualitário.
Com estima,
Paulo Cavalcanti
Presidente da Fundação Paulo Cavalcanti
Catalisa Cidades | Movimento Via Cidadã | Associação Mosaico de Amor
Confira os principais momentos do nosso 1º Fórum Popular de Educação do Beirú no vídeo institucional: www.youtube.com/@ViaCidada