Você sabia que, atualmente, apenas no Congresso Nacional, existem mais de 39 mil projetos de lei tramitando para serem avaliados e aprovados? Alguns já estão lá há mais de 20 anos, esperando votação.
Conhece a quantidade de leis municipais, estaduais e federais que são votadas, aprovadas, sancionadas e, em seguida, simplesmente esquecidas? E quantos brasileiros, afinal, conhecem seus direitos? Quantos leram sequer um artigo da Constituição?
A verdade inconveniente é que, 37 anos após a promulgação do nosso Pacto Cidadão, o Brasil continua dividido entre dois mundos: o dos que vivem sob o peso das leis do Estado, e o dos que sobrevivem fora do seu alcance, sem acesso à informação, à educação ou à dignidade.
No primeiro, estão os cidadãos formais: CPF regular, endereço fixo, emprego registrado, tributos recolhidos, conduta cívica. Nesse universo, a lei chega, cobra, pune, regula e controla. É o território da fiscalização permanente.
No segundo, está o Brasil da informalidade: das periferias, dos trabalhadores invisíveis, dos ambulantes empurrados à margem, das comunidades onde o Estado chega tarde, ou apenas com coerção. Neste, a lei é uma ficção distante, um texto que nunca se materializa em justiça.
E o mais grave: a classe produtiva — visível, rastreável e fiscalizada — ainda é marginalizada e criminalizada por campanhas políticas e discursos ideológicos, em uma cruel inversão de valores.
A lei que não chega onde é mais necessária
Recentemente, ouvi uma fala simples, profunda e incômoda, de um agente de segurança pública: “A lei só funciona para o cidadão que cumpre a lei. Para os que vivem fora dela, sempre há outros caminhos: o tráfico, o contrabando, o submundo.”
E complementou: “Vocês, juristas e legisladores, produzem montanhas de papel, mas esses textos não chegam à favela, à periferia, nem à maioria do povo brasileiro. Justamente quem mais precisa da proteção da lei.”
Essa observação, carregada da sabedoria prática de quem vive as ruas, expõe um ponto que o discurso institucional raramente assume: o abismo entre o sistema normativo e a vida real da população.
É preciso deixar claro: quando falamos de lei, não se trata de defender criminosos. Afinal, criminoso é criminoso, seja ele do setor público, empresarial ou informal.
Nosso foco aqui é mostrar o desequilíbrio entre quem cumpre e quem ignora a lei, diante do fracasso do Estado em integrar esses dois mundos.
Dois pesos, duas jurisdições
Vivemos, de fato, duas realidades jurídicas, que criam abrem espaço para uma lógica que se repete no campo tributário e na segurança. A PEC da Segurança Pública, por exemplo, busca concentrar ainda mais poder no governo federal, quando o problema real está na falta de credibilidade, eficiência e presença do Estado na base.
O mesmo ocorre com o Código de Defesa do Contribuinte: ele é necessário, mas será inútil se o cidadão não conseguir confiar em quem cobra o imposto.
O Brasil que pune quem cumpre e absolve quem ignora
O brasileiro que ainda respeita as leis está cansado de ver que quem não as respeita vive impune, e que quem cumpre as regras é penalizado. Não falta legislação; falta presença efetiva, coerência institucional e compromisso com o princípio básico da República: igualdade perante a lei.
Nosso desafio é integrar o Brasil formal e o Brasil informal sob o mesmo conjunto de direitos e deveres. Sem isso, continuaremos punindo os que cumprem e ignorando os que nunca foram incluídos.
A Constituição não pode ser um pacto parcial. O texto constitucional precisa deixar de ser manipulado por discursos partidários e se tornar prática cotidiana, acessível, aplicada.
A inteligência que o Brasil precisa
O Brasil não precisa de mais normas. Precisa de inteligência cidadã, desenvolver a capacidade de conectar a lei com a realidade. Fazer a lei chegar onde o Estado mostra dificuldade de alcançar: às escolas, às comunidades, às periferias, aos milhões de brasileiros que vivem sem saber o que a Constituição garante.
E isso exige uma estratégia nacional de educação cívica, presença institucional e valorização da cultura da responsabilidade.
Sem integrar os que vivem fora do sistema, seguiremos punindo apenas os que já participam dele. Por isso, o verdadeiro plano de governo que o Brasil precisa não é partidário, é civilizatório: uma grande campanha nacional pela consciência cidadã, pela honra, pela ética e pelo sentimento de pertencimento.
Essa é a inteligência que o Brasil precisa: transformar leis em valores, e valores em cultura de nação.
Artigo escrito por nosso fundador, Paulo Cavalcanti.